Manifesto CONTRAVERSÃO _sobre a obra
- Ale Pedro
- 20 de jun.
- 5 min de leitura

Em meus dezoito anos de alguém que se considera escritor, esta obra intitulada Contraversão é, de longe, a mais lúcida e honesta composição em meu percurso literário.
Concebida instintivamente durante quatro anos por meio de uma extensa série de experimentos fotográficos, estudos e pesquisas culturais, que navegaram desde o corpo físico em interação com objetos distintos (como fantasias, máscaras, tecidos, cordas, fitas, tintas e troncos, dentre outros materiais), além de uma autoanálise profunda da psique humana mediante diferentes olhares, como o da arte e o da psicanálise, nela aprofundei-me em memórias, desejos, anseios e recalques. Tudo isso foi emaranhado naquilo que gosto de chamar de “projeto de vida”, quando trabalho e vida pessoal se misturam, se mesclam e convergem, feito um bom drinque.
Quando percebi que as fotografias por si só já contavam uma história com início, meio e fim, vi a necessidade de transformá-las em um texto narrativo, para esmiuçar ainda mais as diferentes camadas daqueles que vieram a se tornar os personagens deste livro.
O formato da obra foi pensado logo no início: a ideia de destacar as características dos personagens de forma apartada do texto corrido é também uma maneira de elucidar a ideia de “persona”, para desconstruir o apego que damos às nossas. O que quero dizer é que, apesar de nosso hábito constante de querer definir quem somos, podemos repensar nossas personalidades por meio das nossas ações, notando que “ser isso” ou “aquilo” não necessariamente está ligado às nossas atitudes para com o mundo externo ou mesmo, por vezes, a nossa própria intimidade. E, aqui, deixo a reflexão: você se considera verdadeiramente íntimo de si mesmo?
Talvez seja por conta de tudo isso que eu considere esta uma obra que mergulha sutilmente nas pequenas transformações possíveis da vida cotidiana, apesar do caos diário que é viver em uma metrópole como São Paulo, sob um sistema opressor que escancara desigualdades e privilégios, além de nos separar da natureza e até da nossa própria humanidade. Talvez ainda seja possível, por meio da arte, nos conectar com as pessoas certas, que nos ajudem a desafiar nossas próprias certezas, a fim de desconstruir os muros que nos impedem de enxergar outras formas de vida e maneiras mais honestas de nos relacionar.
Rita Von Hunty disse em um de seus vídeos: “Nossos sentimentos estão sendo manobrados aos interesses de quem nos explora”. Essa é uma verdade imensurável que me faz repensar as diferentes relações de poder a que somos submetidos diariamente nessa mistureba de hierarquias sociais em que sempre haverá alguém para servir: alguém abaixo, inferior, com menos poder. Mas George Orwell apontou bem a força e a necessidade de uma revolta do povo no doloroso livro 1984, citado logo no início desta obra.
Dessa maneira, todas as citações presentes em Contraversão são também um caminho de pesquisa e conteúdo para quem, assim como eu, em determinado momento da vida, se viu completamente perdido, por causa da religião, do trabalho, do método de ensino, da castração social ou do que quer que seja…
A primeira pergunta que ouço ao comentar do livro é sempre: “fala sobre o quê?”.
Bem, é uma crítica social; é sobre sexo; é sobre erotismo e sexualidade; é sobre relações de poder, indústria farmacêutica, fanatismo religioso etc. etc. etc. Eu poderia passar horas tentando descrevê-lo, mas certamente será mais fácil, rápido e eficiente você ler e tirar suas próprias conclusões. No geral, eu diria que é sobre a vida, experimentando uma linguagem que perpassa o real, o imaginário e o simbólico.
A obra, de fato, contém o erotismo como subtexto, mas por intermédio de um olhar que vai muito além do sexo, mas que alcança instinto, impulso, desejo e prazer, o que está presente em cada personagem e em sua própria condição de vida.
Gostaria de ressaltar que o mundo é muito diverso e, se não enxergarmos beleza nessa variedade infindável, então veremos beleza em quê? A idolatria de um padrão tem nos exonerado de qualquer singularidade, o que nos tornou seres menos pensantes e mais manipuláveis.
Em suma, a ideia deste livro é convidar o leitor a refletir, seja sobre suas próprias certezas, seja, quem sabe, sobre todos esses temas atuais e relevantes que percorrem nossos dias, na tentativa de problematizar menos os tabus e agir com mais naturalidade em relação a nossa própria espécie. Assim, se poderá olhar de modo mais abrangente para tudo que nos rodeia, encontrando ferramentas e diferentes soluções práticas para tudo aquilo que precisa ser transformado em conjunto.
Essa história é para quem pensa já ter perdido as esperanças, assim como Leandro, que, com algum esforço e muita ajuda, é quem se mostra mais forte, determinado e capaz de transformar as próprias perspectivas para talvez encontrar um propósito maior na vida… algo que faça mais sentido.
É também para aqueles como Alan e Gael, que encontraram na arte uma maneira de expressar suas indignações sociais, colocando em pauta o que precisa ser dito e questionado, apesar de todo o caos externo no qual as desigualdades do sistema se apresentam.
É para pessoas como Karla, que não temem desafiar as convenções e que por meio de seu posicionamento quase palpável sabem se colocar quando é preciso dizer “não”.
É para quem, assim como Gabriela e Victor, está disposto a manifestar o amor livre independentemente de qualquer condição externa pré-estabelecida, sem temer ou calar sua maneira de ser, existir e sentir. Ou como Luiz, que precisou ser conduzido a limites extremos para só então se refazer por inteiro naquilo que ama, naquilo que atravessa sua alma.
E para aqueles que, como Henrique, vivem fadados a ver o mundo como um mar de rosas ou um oceano de vastos privilégios, fica então o direito à dúvida sobre suas ações e a reflexão: apenas mais do mesmo?
É, por fim, para aqueles que vivem na “narcisolândia” – como nomeou a locutora de nosso audiolivro, Daniela Campos, ao se referir aos personagens mais velhos e poderosos. A estes, eu só espero que encontrem alguma paz, pois nem o homem com maior poder no mundo poderá se sentir completamente satisfeito um dia (mesmo ele já foi adulterado de sua humanidade muito antes de ser inventado): com rédeas curtas, se avança muito pouco ou quase nada.
No meio desse enorme desembaraço literário, visual e simbólico, estamos prestes a completar um quarto de século XXI e, como indivíduo presente em carne e osso vivendo o aqui e agora, ouso ser otimista ao vislumbrar a ideia de que nenhum tópico aqui representado seja causa de maiores tabus, apesar dos gatilhos que possa ter gerado.
Alexandre Tavares
E o que me importa,
é não estar vencido.
– Ney Matogrosso






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